Em uma decisão recente, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu importantes limites à atuação normativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no que tange à publicidade de medicamentos.
O caso submetido à apreciação do STJ refere-se ao julgamento do Recurso Especial nº 2.035.645, por meio do qual manteve-se a decisão proferida pelo TRF – Tribunal Regional Federal da 1ª Região. No caso concreto, a decisão, tomada por unanimidade em 14 de agosto, seguiu o voto da relatora, ministra Regina Helena Costa, e destacou que a Anvisa não possui a competência para impor restrições que extrapolem o escopo da Lei 9.294/1996, que regula a propaganda de produtos sujeitos à vigilância sanitária.
Na fundamentação, a Corte ressalta a ausência de poder normativo da Anvisa, notadamente para restringir ou limitar a propaganda comercial de medicamentos. A norma sanitária que trata da regulamentação e divulgação de medicamentos no País é a RDC 96/2008. O texto estabelece vedação de propaganda indireta de promoção comercial e divulgação de medicamentos cuja produção seja nacional ou estrangeira.
De uma forma geral, a RDC 96/2008 prevê que a publicidade de produtos farmacêuticos com fins comerciais, apenas são permitidas para venda de medicamentos isentos de prescrição médica, haja vista que os demais somente podem ser anunciados aos profissionais de saúde habilitados e respectivos prescritores. No caso dos medicamentos isentos de prescrição são necessárias as seguintes informações: nome comercial; nome da substância ativa; nº do registro na ANVISA; indicação; a advertência obrigatória por lei: “se persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado”; advertências especificadas na legislação sanitária; dentre outros, previstos no artigo 22 da referida resolução.
A Ministra Regina Helena Costa enfatizou que a Anvisa deve restringir seu poder normativo à fiel execução das disposições contidas na Lei da Propriedade Industrial. Segundo a relatora, "não cabe à agência reguladora, por meio de atos próprios, impor restrições ou limitações às ações de propaganda comercial de medicamentos, especialmente quando tais atos colidam com as normas estabelecidas na Lei 9.294". Essa observação ressalta a necessidade de que os regulamentos editados por agências reguladoras respeitem os limites impostos pela legislação federal vigente.
O recurso em questão foi interposto pela Anvisa contra decisão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que havia considerado que a agência extrapolou seu poder normativo ao editar a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 96/2008. Tal resolução regulamenta a "propaganda, publicidade, informação e outras práticas de divulgação ou promoção comercial de medicamentos" e impõe uma série de critérios rigorosos, incluindo a proibição da propaganda indireta de medicamentos em diversas formas de mídia.
A farmacêutica Aspen Pharma, parte interessada no caso, argumentou que a Anvisa, ao editar a RDC 96/2008, não se limitou a regular a publicidade de medicamentos, mas, na prática, proibiu essa atividade, infringindo dispositivos constitucionais e legislativos. Essa postura, segundo a Aspen Pharma, ultrapassa o poder regulamentar da agência, indo além das prerrogativas concedidas pela legislação.
A decisão do STJ também chamou a atenção para o papel da Anvisa, que, conforme previsto na Lei 9.782/1999, deve "controlar, fiscalizar e acompanhar, sob o prisma da legislação sanitária, a propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária". Esse papel, no entanto, não autoriza a agência a criar novas restrições não previstas em lei.
Além disso, o colegiado do STJ determinou que o Congresso Nacional e o Ministério da Saúde sejam notificados da decisão, com o objetivo de fomentar um "diálogo institucional" visando ao aperfeiçoamento da legislação vigente. A ministra Regina Helena Costa destacou que, embora o STJ não tenha competência para ordenar a atuação legislativa, o tribunal pode promover o diálogo entre os órgãos competentes, buscando uma reflexão mais aprofundada sobre a questão.
Em termos de propriedade intelectual, é importante notar que a decisão do STJ reforça a necessidade de conformidade com as normas legais existentes, sem que as agências reguladoras possam criar obstáculos não previstos para o exercício legítimo dos direitos empresariais. A conformidade regulatória é um aspecto crítico na gestão de ativos de propriedade intelectual, como as marcas de medicamentos, e as empresas devem estar cientes dos limites do poder regulatório para proteger seus interesses comerciais de maneira eficaz.