A valorização da criação intelectual encontra dois importantes marcos comemorativos em abril. No dia 23, é celebrado o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor, instituído pela UNESCO1 em 1995, com o objetivo de reconhecer a contribuição dos autores para o desenvolvimento cultural e intelectual da sociedade, além de reforçar a importância da proteção jurídica dos direitos autorais e fomentar políticas de estímulo à leitura. Um fato curioso é que a data foi escolhida por coincidir com o falecimento de grandes nomes da literatura, como William Shakespeare, Miguel de Cervantes e Inca Garcilaso de la Vega. De outro plano, no dia 26, ocorre a celebração do Dia Mundial da Propriedade Intelectual. A data foi instituída em 2000 por marcar a entrada em vigor a Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em 1970, com o objetivo de ampliar a compreensão sobre a importância da proteção dos bens intelectuais, estimulando a inovação e fortalecendo o ecossistema criativo global. 2
No ordenamento jurídico brasileiro, o direito autoral é amplamente resguardado, não apenas pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98 – LDA), mas também pela Constituição, em seu artigo 5º, que o insere entre as cláusulas pétreas dos direitos e garantias fundamentais. O arcabouço normativo assegura ao autor o controle sobre a utilização de sua obra, garantindo-lhe o devido reconhecimento e a justa remuneração pela exploração de sua criação por terceiros.
Para efeitos legais, os direitos autorais se dividem em: Morais e Patrimoniais.
- Direitos morais: são irrenunciáveis e inalienáveis3, asseguram ao autor prerrogativas como o direito de reivindicar a autoria da obra e de proteger sua integridade, impedindo modificações ou atos que possam prejudicar sua reputação ou honra.
- Direitos patrimoniais: permitem a exploração econômica da obra, mediante autorização prévia e expressa. Refere-se ao direito do autor de utilizar, fruir e dispor de sua obra literária, artística ou científica.
A proteção autoral independe de registro4 formal, sendo assegurada a partir do ato de criação original da obra, e qualquer evidência pode ser utilizada como prova de autoria. O registro, por sua vez, funciona como um instrumento facilitador em casos de disputas judiciais.
No setor editorial, os direitos autorais desempenham um papel fundamental ao longo de toda cadeia produtiva do livro, desde a concepção da obra até sua comercialização. A proteção legal mencionada proporciona aos escritores e demais envolvidos o controle sobre o uso e a distribuição da obra, garantindo a remuneração justa pelos seus esforços criativos e intelectuais. Além disso, assegura que a integridade da obra seja preservada, evitando modificações não autorizadas que possam prejudicar a intenção do autor.
Embora a legislação brasileira já preveja instrumentos robustos de proteção, o avanço do ambiente digital e das tecnologias baseadas em inteligência artificial (IA) trouxe novos desafios à proteção dos direitos autorais, especialmente no que diz respeito ao compartilhamento indevido de obras, à definição de autoria em criações geradas por IA e ao uso de obras protegidas no treinamento desses sistemas. Nesse cenário, o fortalecimento da proteção autoral torna-se estratégico para estimular a produção criativa e garantir os direitos dos autores.
Em resposta a esse cenário, está em tramitação o Projeto de Lei nº 2.338/2023, que propõe um marco regulatório para o uso responsável da IA no Brasil. O PL busca equilibrar o desenvolvimento tecnológico com a preservação dos direitos fundamentais, inclusive os autorais, propondo parâmetros que permitam o uso de dados como insumos para a IA, desde que não prejudiquem os titulares desses direitos. Assim, é essencial que a legislação brasileira continue evoluindo, conciliando inovação tecnológica com a proteção da criação intelectual.
Outro aspecto relevante diz respeito à crescente globalização das criações intelectuais. Com a digitalização, obras protegidas por direitos autorais circulam com facilidade por diferentes países, o que exige uma harmonização das normas e um esforço conjunto entre os países para garantir a efetiva proteção das criações.
A Convenção de Berna, da qual o Brasil é signatário, exemplifica esse esforço internacional, estabelecendo um sistema de proteção recíproca dos direitos autorais garantindo que as obras de um país membro recebam, nos demais membros, o mesmo tratamento concedido às obras nacionais.5 Nesse contexto, a cooperação entre autoridades nacionais e internacionais é fundamental para assegurar que os direitos dos autores sejam respeitados em um ambiente global cada vez mais interconectado.
Por fim, diante de um cenário em constante transformação, o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor, bem como o Dia Mundial da Propriedade Intelectual, convocam não apenas à celebração, mas também à reflexão sobre o papel fundamental da proteção jurídica na valorização da criação humana. As normas que resguardam os direitos autorais são essenciais para garantir que escritores, artistas e inventores continuem contribuindo para o fortalecimento cultural, científico e tecnológico, enriquecendo a sociedade e impulsionando a inovação.
Notas:
1 Disponível em: https://www.unesco.org/pt/fieldoffice/brasilia/expertise/book-day . Acesso em: 22.04.2025
2 Disponível em: https://www.wipo.int/pt/web/ipday . Acesso em: 22.04.2025
3 Art. 27 da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. (disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm . acesso em:22.04.2025)
4 Art. 18 da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. (disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm . acesso em:22.04.2025)
5 DECRETO No 75.699, DE 6 DE MAIO DE 1975. Promulga a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, revista em Paris, a 24 de julho de 1971. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/d75699.htm Acesso em: 22.04.2025
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Autoras:
Hellen Pessanha
Rebeca Paiva
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