As práticas de ESG (Environmental, Social, Governance) têm se tornado pilares essenciais para as empresas na geração de valor para toda a sua cadeia, sobretudo no atual momento de transição do Capitalismo de Shareholders para o de Stakeholders. É o instrumento de comunicação das informações relevantes praticadas como ações, metas e aspectos ambientais, sociais e de governança, em resposta à crescente demanda por transparência e responsabilidade corporativa.
Uma questão central - que poucos se atentam - é que toda e qualquer informação ali contida, como, por exemplo, a meta de neutralização de carbono até 2030 - é vinculante, gerando ao administrador - que possui seu dever de diligência previsto na Lei das S/A- respeitá-los e cumpri-los, sob pena de se estar praticando greenwashing.
Nove em cada dez investidores brasileiros (98%) dizem que relatório corporativos de sustentabilidade contém informações não comprovadas. No contexto mundial, o índice de percepção de greenwashing é de 94%. Neste cenário de desconfiança, investidores recorrem aos reguladores: 57% dos entrevistados, ao redor do mundo, disseram que se as companhias cumprirem regulamentos e padrões definidos, como os definidos pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), no Brasil, ou pelo ISSB (International Sustainability Standards Board), isso ajuda “bastante” ou “muito” nas tomadas de decisão (fonte: Pesquisa Global com Investidores 2023 da PwC).
Percebe-se, portanto, que uma das grandes dores do mercado é que, até o momento, não há uma padronização que permita os stakeholders, principalmente clientes e investidores, compararem os relatórios e suas materialidades ali expostas. Embora o standard GRI seja o mais utilizado, não traz a taxonomia desejada, aspecto que mudará com a vigência da Resolução CVM 193/2003, se adequando aos padrões globais estabelecidos pelo ISSB.
O Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a adotar os padrões do ISSB em suas normas de divulgação de informações de sustentabilidade, visando proteger os investidores ao assegurar o acesso à informação adequada para tomadas de decisão de investimento com maior transparência, confiabilidade, consistência e comparabilidade das informações.
A Resolução, que entrou em vigor em 1º de novembro de 2023, por enquanto, possui caráter voluntário para as companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras. Entretanto, a partir dos exercícios sociais iniciados em, ou após, 1º de janeiro de 2026, as companhias abertas terão a obrigatoriedade de elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade. Por enquanto, essa obrigação não se estende aos fundos de investimento e companhias securitizadoras, que continuarão a ter a opção de adotar a elaboração e divulgação do relatório de forma voluntária, desde que estejam seguindo os padrões estabelecidos pelo ISSB.
A partir de 2026, parte das companhias de capital aberto e fundos são obrigadas a publicarem um reporte especial com informações financeiras relacionadas à sustentabilidade e, a partir de 2027, a exigência será para todos.
Portanto, por ora, é aplicável às companhias abertas listadas na B3, bem como às companhias abertas que se enquadrarem em determinados critérios de tamanho (valor de mercado da empresa e no número de ações em circulação) e complexidade (baseados na atividade e no seu impacto).
- Consideradas de grande porte:
- Valor de mercado de pelo menos R$ 25 bilhões;
- Número de ações em circulação de pelo menos 250 milhões;
- Receita líquida de pelo menos R$ 5 bilhões.
- Complexidade:
- Atividade que tenha impacto significativo no meio ambiente ou na sociedade;
- Atividade que tenha exposição a riscos ESG significativos;
- Atividade que seja regulamentada por órgãos governamentais com foco em ESG.
Vale ressaltar que a sua aplicação não se restringe apenas às grandes corporações. Empresas de todos os tamanhos e setores podem e devem considerar a adoção dessas práticas, alinhando-se ao crescente movimento ESG, sobretudo após a publicação da Resolução CFC 1710/2023 pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) que expandiu esta mesma obrigação para todas as empresas nacionais¹.
PADRÃO ISSB
Os relatórios terão como base o padrão internacional (IFRS S1 e S2) emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB) para garantir a uniformidade e comparabilidade das informações de sustentabilidade divulgadas pelas empresas, iniciativa apoiada pelo GRI (Global Reporting Standards), SASB (Sustainability Accounting Standards Board), CDSB (Climate Disclosure Standards Board) e a TCFD (Taskforce on Climate-related Financial Disclosures), importantes padrões e frameworks de sustentabilidade existentes.
Em resumo, a IFRS S1 regula o fornecimento de informações relevantes sobre riscos e oportunidades relacionadas à sustentabilidade de forma clara, inequívoca e planejada; e a IFRS S2 detalha o reporte de riscos e oportunidades relacionados ao clima, para avaliar o impacto das Mudanças Climáticas sobre a operação das organizações, com base na estrutura do TCFD, estrutura muito adotada para divulgações sobre mudanças climáticas.
Com efeito, o IFRS S1 exige a divulgação da informação sobre todos os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que se possa razoavelmente esperar que afetem os fluxos de caixa da entidade, o seu acesso a financiamento ou o custo de capital a curto, médio ou longo prazo. Essas informações devem ser comparáveis, verificáveis e compreensíveis, para que sejam úteis aos usuários dos relatórios, assim dispostas:
- Governança – os processos e controles de governança que a entidade usa para monitorizar e gerir riscos e oportunidades relacionados com a sustentabilidade;
- Estratégia – a abordagem que a entidade usa para gerir os riscos e oportunidades relacionados com a sustentabilidade;
- Gestão do risco – os processos que a entidade usa para identificar, avaliar, priorizar e monitorizar riscos e oportunidades relacionados com a sustentabilidade;
- Métricas e metas – o desempenho da entidade em relação aos riscos e oportunidades relacionados com sustentabilidade.
Por sua vez, o IFRS S2 complementa o IFRS S1 ao detalhar requisitos específicos para a divulgação de informações relacionadas às mudanças climáticas, incluindo riscos e oportunidades climáticas que podem impactar a empresa, tais como:
- Riscos físicos relacionados com o clima;
- Riscos de transição relacionados com o clima;
- Oportunidades relacionadas com o clima disponíveis para a entidade.
As obrigatoriedades de divulgação da IFRS S2 são as mesmas, apresentando o papel da governança, a estratégia, a gestão de risco e as métricas. A diferença é que também há a obrigatoriedade mensurar e divulgar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) de Escopo 1 (emissões diretas de fontes próprias), 2 (emissões indiretas a partir da geração de eletricidade) e 3 (quaisquer outras emissões indiretas de GEE).
Ambas devem ser apresentadas em um relatório integrado, que deve incluir os seguintes elementos:
- Visão geral: visão geral da estratégia de sustentabilidade da empresa, incluindo seus objetivos e metas;
- Riscos e oportunidades: análise dos riscos e oportunidades ESG que a empresa enfrenta;
- Desempenho: avaliação do desempenho da empresa em relação aos seus objetivos e metas ESG;
- Governança: descrição da estrutura de governança da empresa em relação às questões ESG.
Os padrões do ISSB também exigem que as empresas divulguem informações sobre seus impactos ESG de forma quantificável, sempre que possível. Essa condição pode ser cumprida por meio de indicadores financeiros, não financeiros ou uma combinação de ambos.
Por isso, é interessante eleger indicadores relevantes para medir o desempenho nas áreas ambiental, social e de governança. Essa etapa é bastante importante, porque é apenas com uma seleção cuidadosa desses indicadores que o relatório de sustentabilidade vai refletir, de maneira abrangente e precisa, a evolução das práticas ESG da organização. Isso pode envolver a colaboração com diferentes departamentos e a implementação de sistemas para rastrear e medir o desempenho. A combinação eficiente de indicadores ESG e uma abordagem cuidadosa na coleta de dados contribuirá para um relatório robusto, capaz de transmitir de maneira clara e transparente o compromisso da empresa com práticas sustentáveis e responsáveis. Podem ser indicadores de emissões de carbono, práticas de segurança no trabalho, políticas de diversidade e inclusão, investimento em capacitação profissional, entre outros.
Importância do Jurídico ESG na elaboração/revisão dos relatórios
Apesar da elaboração do relatório estar frequentemente adistrito às áreas de ESG/Sustentabilidade, o jurídico desempenha um papel crucial na orientação e implementação dessas mudanças para o entendimento profundo das normas e sua aplicação prática, sobretudo na revisão do relatório.
Uma das atuações mais relevantes é fornecer orientação jurídica à alta administração sobre as implicações jurídicas das decisões estratégicas relacionadas a práticas ESG, incluindo o aconselhamento sobre a implementação de mudanças significativas nas operações para atender aos padrões ESG e as divulgações.
O jurídico precisa garantir que todas as informações estejam em conformidade com as diretrizes legais, identificando e mitigando riscos legais associados às divulgações, como litígios e sanções.
Além disso, oferece orientação na estruturação de práticas de governança corporativa alinhadas a princípios ESG, assegurando que as empresas estejam em conformidade com regulamentações, revisão e atualização contínua das políticas e sua adaptação às normas éticas e buscando incentivos legais e regulatórios para práticas sustentáveis, apoiando as empresas na adoção de medidas que alinhem os interesses comerciais com as metas ESG.
Logicamente, todas essa práticas precisam estar refletidas e alinhadas aos contratos, contendo cláusulas específicas relacionadas a questões ambientais, sociais e de governança, garantindo que os parceiros de negócios, colaboradores e fornecedores estejam alinhados com os valores da empresa.
Notas:
¹ (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfc-n-1.710-de-25-de-outubro-de-2023-520669405)
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Autor:
Jean Marc Sasson