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Data Privacy e Legal Design: Entre Segredos e Transparência

21/2/24
notebook exibindo uma tela branca com um ícone e a palavra Law escrita em cor cinza

Com a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) em 2018, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 17/2020 e a subsequente promulgação da Emenda Constitucional nº 115/22, que reconheceu a proteção de dados como um direito fundamental autônomo, juntamente com a crescente digitalização da economia, todas as organizações estão agora sujeitas à obrigação de adotar, um conjunto de medidas técnicas e administrativas comprovadamente aptas para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão, de acordo com o princípio da segurança e da responsabilização e prestação de contas descrito no artigo 6º, VII e X, da LGPD, para garantir o cumprimento e a implementação da conformidade com a lei.

Nesse contexto, o Art. 46 da LGPD atribui aos agentes de tratamento, Controladores e Operadores de dados pessoais, a adoção de medidas de segurança técnicas e administrativas capazes de proteger os dados pessoais contra acessos não autorizados e situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.

Seguindo a mesma linha, o Art. 50 da LGPD, faculta aos agentes de tratamento a formulação de regras de boas práticas e governança que estabeleçam condições organizacionais, das quais destacamos a implementação de um Programa de governança em privacidade, que estabeleça políticas e salvaguardas adequadas com base em uma avaliação sistemática de impactos e riscos à privacidade, visando estabelecer uma relação de confiança com o Titular de dados pessoais (“Titular”) por meio de uma atuação transparente e lhe garantindo mecanismos de participação.

Em outras palavras, o Programa de governança em privacidade passa pela definição de estratégias que se concretizam por meio da elaboração e implementação de avisos, políticas e normas. É nesse contexto que o Legal Design se torna relevante, oferecendo ferramentas que podem ser efetivamente aplicadas para esclarecer e simplificar documentos em geral, especialmente os avisos de privacidade, promovendo uma melhor compreensão de seu conteúdo e aplicabilidade pelos usuários, por meio de uma abordagem inovadora que simplifica a comunicação e a torna mais acessível.

Conceitualmente, o Legal Design é um processo que propõe, através de soluções estratégicas, a simplificação de informações complexas por meio da adoção de técnicas visuais, pensamento este corroborado por Stefania Passera1 ao mencionar que: “o Legal Design é sobre empoderar as pessoas para que possam entender seus direitos e tomar decisões informadas”.

Assim, ao priorizarmos o Titular como ponto central do processo, busca-se entender suas necessidades e personalizar a mensagem de acordo com o seu receptor. Neste mesmo raciocínio, Margareth Hagan2 disciplina que ao aplicarmos os princípios do design à prática jurídica, podemos criar soluções que não apenas atendam às necessidades legais, mas também às necessidades humanas - simplificando processos, eliminando barreiras e promovendo uma experiência mais positiva para todos os envolvidos.

Não restam dúvidas de que o Legal Design representa um marco paradigmático sobre a comunicação jurídica. Isto porque, na medida em que se propõe a oferecer soluções simplificadoras da linguagem, há o consequente estreitamento da relação entre o emissor e o receptor da mensagem, que se pretende comunicar. No entanto, não são raras as barreiras a serem transpassadas neste processo, sobretudo em razão do tradicionalismo enraizado na cultura jurídica majoritária, que ainda é bastante relutante em relação a implementação de tais técnicas.

Em um estudo recente produzido pela University Pittsburgh, denominado Designing Effective Privacy Notices: A Review of the Current Practices and Guidelines for Designers3, os pesquisadores abordaram acerca das práticas atuais de design em avisos de privacidade. A pesquisa não só examinou as práticas comuns, mas também identificou áreas específicas que podem ser aprimoradas para tornar esses avisos mais eficazes e compreensíveis aos usuários, fornecendo insights valiosos e diretrizes de aprimoramento da comunicação.

Neste contexto, em resposta aos desafios postos pela pesquisa, sobretudo as dificuldades enfrentadas por advogados de diferentes nacionalidades e setores ao redigir avisos de privacidade, resultando em documentos incompreensíveis, devido à linguagem técnica e complexa, Margaret Hagan propôs a criação de uma biblioteca de padrões aplicáveis, intitulada ‘Legal Design Patterns for Privacy4, com o objetivo de disponibilizar modelos essenciais e formas de organizar as para facilitar a compreensão das pessoas.

Nesse sentido, o Legal Design emerge como uma solução para a lacuna entre a comunicação jurídica e a compreensão por parte do Titular. Ao implementar técnicas visuais, é possível simplificar a linguagem dos avisos de privacidade, tornando-os mais acessíveis, concisos e didáticos, o que não apenas promove a transparência, mas também democratiza o processo para os Titulares, garantindo que qualquer pessoa possa entender claramente como a organização trata seus dados pessoais.

Assim, para as organizações que planejam adotar o Legal Design em seus avisos de privacidade, é fundamental priorizar o Titular, o que implica na condução de pesquisas e testes para assegurar a clareza das informações ao aplicar técnicas de otimização da linguagem. Assim, por meio de uma transformação estrutural, possibilitada pela reformulação das comunicações jurídicas, será possível reinventar a forma de comunicar as disposições e normas inerentes aos avisos de proteção de dados, fazendo com que o Titular – principal foco de comunicação da mensagem – tenha ampla compreensão sobre o conteúdo apresentado.

Notas

1 Professora de Design e Interação na Alto University School of Arts 

2 Diretora do Programa de Legal Design na Faculdade de Direito de Stanford

3 Florian Schaub; Rebecca Balebako; Adam L. Durity and Lorrie Faith Cranor – University Pittsburgh, USA

4 Legal Design Patterns for Privacy. Disponível em: https://law.stanford.edu/publications/legal-design-patterns-for-privacy/.


Referências

1. HAGAN, Margareth. Law by Design. Disponível em https://www.lawbydesign.co/.

2. HAAPIO, Helena et al. Legal design patterns for privacy. In: Data Protection/LegalTech Proceedings of the 21st International Legal Informatics Symposium IRIS. 2018. p. 445-450.

3. SCHAUB, Florian et al. A Design Space for Effective Privacy Notices (2015 Disponível em https://www.usenix.org/system/files/conference/soups2015/soups15-paper-schaub.pdf.

4. BRANCO, Fellipe. Trago a inovação amada em 4 dias. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/trago-a-inovacao-amada-em-4-dias-29042023

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