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A proteção de segredos comerciais no processo civil na Alemanha

30/4/25
cidade à noite com prédios iluminados e ícones de cadeados flutuando

No dia 1° de abril de 2025 entrou em vigor a nova Lei alemã de Fortalecimento do Foro Judicial (Justizstandort-Stärkungsgesetz)1, aprovado pelo parlamento alemão em 7 de outubro de 2024. A nova lei visa valorizar o foro judicial na Alemanha, tornando-o mais competitivo e atraente para empresas do exterior.

O legislador alemão identificou como um dos principais pontos de desvantagem do sistema atual a insuficiência das normas de proteção dos segredos comerciais.2 Na prática, muitas empresas se viam obrigadas a comprometer seus segredos comerciais ao apresentá-los como provas em processos, colocando em risco informações estratégicas. Pois, ao ser apresentado como prova, o segredo comercial é exposto ao público e, assim, perde sua confidencialidade. Portanto, as empresas frequentemente precisavam escolher entre vencer o processo, mas expor o segredo comercial, ou preservar o segredo comercial, mas perder o processo.

Nesse contexto, o legislador fortaleceu a proteção dos segredos comerciais com a introdução do novo art. 273a do Código do Processo Civil alemão (Zivilprozessordnung ou ZPO3). De acordo com essa nova norma, uma parte de um processo civil pode solicitar ao tribunal que classifique certas informações do processo como sigilosas, evitando assim, que informações sensíveis para a empresa se tornem públicas.

Do Conflito entre o Princípio da Publicidade e do Direito à Proteção de Segredos Comerciais

A maior complexidade residia em compatibilizar o direito das empresas à confidencialidade dos segredos comerciais com o princípio da publicidade dos atos processuais (Öffentlichkeitsgrundsatz), consagrado nos arts. 169 e seguintes da Lei alemã da Constituição Judicial (Gerichtsverfassungsgesetz ou GVG4).

O princípio da publicidade dos atos processuais é um princípio fundamental do direito processual, que estabelece que as audiências judiciais devem, em regra, ser públicas. Esse princípio visa garantir a transparência do processo judicial e assegurar que as decisões judiciais possam ser acompanhadas e fiscalizadas pela sociedade. Em outras palavras, a publicidade das audiências contribui para a confiança do público no sistema judicial, assegurando que a justiça seja feita de maneira aberta e sem ocultação. Portanto, o princípio da publicidade possui grande relevância na Alemanha e é essencial para o funcionamento da democracia, sendo parte integrante do princípio do Estado de Direito (Rechtsstaatsprinzip), consagrado no art. 20, inciso 3 da da Lei Fundamental (Grundgesetz ou GG5).6

O princípio da publicidade não abrange apenas o acesso do público às audiências judiciais, mas também a publicidade das informações apresentadas no processo. Isso significa que uma parte não é, em princípio, obrigada a tratar de forma confidencial as informações divulgadas pela outra parte (por exemplo, em uma petição inicial) – mesmo que se trate de segredos comerciais.

Ao mesmo tempo, devido ao princípio da apresentação das provas (Beibringungsgrundsatz), que rege o processo civil, as partes têm o dever de apresentar todas as informações relevantes para o caso. Sendo assim, caso exista a possibilidade de que segredos comerciais sejam relevantes ao processo, uma condução processual adequada e diligente exige - a princípio - que esses segredos sejam revelados no mesmo.7

Na prática, isso coloca as empresas diante do dilema apresentado acima: preservar seus segredos comerciais, omitindo determinadas informações na petição inicial e correndo o risco de perder a causa, ou aumentar suas chances de sucesso no processo, porém, tornando públicas suas informações confidenciais.8

Da Situação Jurídica Anterior à Entrada em vigor da nova Lei

Antes da entrada em vigor da nova lei, a proteção dos segredos comerciais em processos judiciais na Alemanha era limitada. A ZPO não previa regulamentações específicas para a proteção de segredos comerciais no processo civil, e as poucas disposições existentes na GVG ofereciam apenas uma proteção insuficiente.

Uma vez que, embora já tenha sido possível (antes da entrada da nova lei), segundo o art. 172, nº 2 da GVG, excluir o público da audiência se forem discutidos segredos comerciais, essa providência não abrangia as peças processuais. Assim, as informações apresentadas por escrito permaneciam acessíveis ao público. Além disso, a obrigação de sigilo decorrente do art. 172, nº 2 da GVG não impedia que a parte adversa utilizasse, para seus próprios fins, as informações obtidas durante a audiência.

Paradoxalmente, a Lei alemã de Segredos Comerciais (Geschäftsgeheimnisgesetz ou GeschGehG9), em vigor desde 2019, também não contribuiu de forma efetiva para resolver o problema.10 Pois, embora a GeschGehG ofereça, em princípio, uma proteção muito ampla e robusta para segredos comerciais, inclusive no processo civil, a mesma se aplica apenas quando as partes estão em litígio sobre a violação de um segredo comercial (por exemplo, devido à espionagem industrial ou apropriação indevida de segredos comerciais por parte de funcionários). Portanto, a GeschGehG não se aplica em um processo civil comum (ou seja, não sendo um processo sobre a violação de um segredo comercial).

Do novo art. 273a da ZPO

Essa lacuna de proteção foi agora fechada com a introdução do novo art. 273a da ZPO, que estende a proteção prevista na GeschGehG a todos os processos civis e não apenas àqueles sobre violação de segredo comercial.

O texto do novo § 273a do ZPO estabelece:

O tribunal pode, a pedido de uma das partes, classificar total ou parcialmente como sigilosas as informações em disputa, caso estas possam constituir um segredo comercial nos termos do art. 2, nº 1 da GeschGehG; os art. 16–20 da GeschGehG aplicam-se, nesse caso, de forma correspondente.

De acordo com essa nova disposição, uma informação pode ser classificada como sigilosa em todos os processos civis caso exista a chance dela se constituir como um segredo comercial. Um segredo comercial é, segundo o art. 2, nº 1 da GeschGehG, ao qual se refere o novo art. 273ª ZPO, uma informação que:

(a) é secreta, no sentido de, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, não é geralmente conhecida pelas pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão, ou não é facilmente acessível a essas pessoas e que tem valor comercial pelo fato de ser secreta; e (b) tem sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para ser mantida secreta pela pessoa que exerce legalmente o seu controlo; e (c) há um interesse legítimo na sua manutenção em sigilo.

Para que o tribunal conceda a proteção prevista no novo art. 273ª ZPO, é suficiente que, em sua avaliação, exista a mera possibilidade de que os requisitos do art. 2, nº 1 da GeschGehG sejam preenchidos.

Dos Efeitos Jurídicos

Se uma informação for classificada como sigilosa, aplicam-se os art. 16–20 da GeschGehG ao processo civil. Nos termos do art. 16, inciso 2 da GeschGehG, todas as partes envolvidas no processo devem tratar as informações classificadas como sigilosas de forma confidencial, ficando proibido de utilizá-las ou divulgá-las fora do processo. Além disso, o direito de terceiros à inspeção dos autos é restrito pelo art. 16, inciso 3 da GeschGehG.

A proteção do novo art. 273a da ZPO inicia-se com a litispendência do processo (art. 20, inciso 1 da GeschGehG) e continua a valer mesmo após o término do processo judicial (art. 18, frase 1 da GeschGehG).

Caso uma parte viole suas obrigações de sigilo, o tribunal pode, a pedido da parte prejudicada, impor uma multa (Ordnungsgeld) de até 100.000 euros ou detenção administrativa (Ordnungshaft) de até seis meses, nos termos do art. 17, frase 1 da GeschGehG.

Além das obrigações de sigilo previstas no art. 16 da GeschGehG, o tribunal pode, segundo o art. 19, inciso 1, nº 2 da GeschGehG impor restrições adicionais, como, entre outros, limitar o acesso à audiências e aos respectivos registos ou transcrições - caso exista a possibilidade de serem divulgados segredos comerciais - a um número restrito de pessoas confiáveis. Porém, é importante notar que, o art. 19, inciso, 1, frase 3 do GeschGehG estabelece que deve ser concedido acesso a pelo menos uma pessoa física de cada parte, bem como aos seus representantes processuais ou outros representantes. Essa ressalva visa assegurar o respeito do direito das partes no processo a um tribunal imparcial.

Conclusão

Portanto, com o novo art. 273a da ZPO, que estabelece as novas regras de confidencialidade dos segredos comerciais nos processos, a Alemanha amplia significativamente a proteção dos segredos comerciais em processos civis, tornando–o mais atraente para empresas nacionais e internacionais.

Notas

1 BGBl. 2024 I n°. 302 de 10 de outubro de 2024 (disponível em: https://www.recht.bund.de/bgbl/1/2024/302/VO.html, acesso em: 22.04.2025).

2 BT-Drucksache 20/8649, p. 16. (disponível em: https://dserver.bundestag.de/btd/20/086/2008649.pdf, acesso em: 22.04.2025).

3 Uma versão em inglês da lei está disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_zpo/englisch_zpo.html (acesso em: 22.04.2025).

4 Uma versão em inglês da lei está disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_gvg/englisch_gvg.html (acesso em: 22.04.2025).

5 Uma versão em inglês da lei está disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_gg/ (acesso em: 22.04.2025).

6 Cf. a decisão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Bundesverfassungsgericht ou BVErfG) 103, 44 (64) = NJW 2001, 1633 (1635).

7 Leuering/Rosa-Schneiders, Der Schutz von Geschäftsgeheimnissen im Zivilprozess, NJW 2024, 3177 (3177).

8 BT-Drucksache 20/8649, p. 32.

9 Uma versão em inglês da lei está disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_geschgehg/ (acesso em 22.04.2025).

10 A GeschGehG transpõe a Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de julho de 2016, disponível em: http://data.europa.eu/eli/dir/2016/943/oj, acesso em: 22.04.2025).

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Autores:

David Emmerich

Thorben Riemann

Créditos da Imagem: Freepik

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